Como Escalar Programas de Inovação: do Piloto ao Impacto em Milhares de Colaboradores
O que faz uma boa ideia virar cultura em escala?
No mundo corporativo, inovação não falta. O que escasseia é método para transformar projetos-piloto em iniciativas com impacto real — e sustentável.
Neste episódio de nosso videocast, conversamos com Michael Dhyani, que lidera frentes de inovação em uma das maiores operadoras de saúde da América Latina. Sua trajetória atravessa marketing, experiência do cliente, relacionamento e, mais recentemente, cultura de inovação. Com leveza e profundidade, ele nos ajuda a entender o que realmente move a inovação em larga escala.
Quando boas ideias não bastam: a virada de chave
“Quando dá nome, vira filho.” Foi com essa analogia que Michael resumiu um dos maiores desafios de quem atua com inovação: desapegar de ideias e tratar projetos com pragmatismo.
Sua trajetória começou no Ceará, com o desejo de transformar o mundo por meio da tecnologia. Após experimentar diferentes caminhos na área de TI, percebeu que seu verdadeiro talento estava no relacionamento com pessoas e no apoio a empreendedores. Atuou em programas de pré-aceleração e assumiu, ainda jovem, a gestão do Corredores Digitais, o maior programa de aceleração de negócios do estado.
Foi nessa experiência que percebeu a importância do método:
“Não basta ter uma boa ideia. É o processo que transforma, que gera resultado. O método é o que permite escalar.”
Lidar com empreendedores também exigiu sensibilidade — especialmente quando era necessário trazer à tona a viabilidade real de um projeto. A virada de chave veio ao entender que escalar inovação exige não só paixão, mas estrutura, governança e acompanhamento.
Mentores da Inovação: do discurso à prática em larga escala
Na operadora onde atua atualmente, Michael encontrou um programa que já carregava o nome promissor: Mentores da Inovação. Ainda em estágio inicial, a iniciativa precisava de estrutura para alcançar um novo patamar — e, principalmente, resolver um problema real: como engajar executivos de diferentes áreas na prática da inovação, indo além do discurso estratégico?
A resposta foi construir um programa robusto, que se apoiasse na formação e na prática:
- Primeira etapa – Formação estruturada: até 500 executivos participam de 7 módulos que abordam temas como o papel do mentor, fundamentos de startups, validação, construção de pitch, LGPD e abordagem empática.
- Segunda etapa – Prática com impacto real: os executivos mentoram startups em demandas reais. A formação só é validada se a própria startup reconhecer valor na mentoria recebida.
“Muitas empresas querem ter uma cultura de startup, mas esquecem que é preciso preparar as lideranças para entender esse universo.”
O programa se tornou um exemplo concreto de como a inovação pode ser enraizada na cultura organizacional — mobilizando pessoas, conectando áreas e gerando aprendizado mútuo entre corporações e startups.
Mobilizar em escala: como gerar pertencimento real
Engajar um pequeno grupo já é um desafio. Agora imagine fazer isso com 500 executivos de diferentes áreas, perfis e prioridades. Para garantir adesão genuína, o time responsável pelo Mentores da Inovação adotou uma estratégia baseada em valor percebido, protagonismo e referência em rede.
Michael destaca que a chave está em entender o que motiva cada público. Enquanto o operacional busca ferramentas práticas para o dia a dia, a liderança precisa enxergar valor estratégico e diferencial de carreira. Por isso, o programa é desenhado para colocar os executivos no centro — não apenas como alunos, mas como protagonistas que formam outros.
Outro elemento essencial é o uso de exemplos inspiradores. Mentores de fora, como executivos da Ambev, Johnson & Johnson e até o CFO da Boca Rosa, foram convidados a conduzir mentorias reais e compartilhar decisões ao vivo. Isso gerou conexão emocional e elevação do padrão de entrega.
Mais do que números, são os cases internos que sustentam o engajamento. Um exemplo emblemático foi o de Diego Mariano, colaborador do Paraná que se destacou tanto como mentor que foi indicado a um prêmio nacional — superando qualquer estereótipo de protagonismo regional.
“Hoje, os principais vendedores do programa não somos nós. São os resultados e histórias de quem já participou.”
Alta liderança: como engajar mesmo sob pressão por resultados imediatos
Uma das barreiras mais complexas na escalada da inovação é o envolvimento de executivos seniores. Em meio à pressão por metas trimestrais e entregas constantes, como sensibilizar essas lideranças para um movimento de médio e longo prazo?
Para Michael, a resposta passa por bom senso, empatia e flexibilidade de jornada. A equipe sabe que nem todos terão a mesma disponibilidade, e que mudanças estratégicas ou operacionais podem afetar a continuidade. Por isso, o programa foi desenhado como um funil consciente, onde o engajamento é cultivado sem imposições.
“É normal que nem todos concluam. O importante é termos ferramentas que permitam acompanhar e adaptar a jornada.”
A principal solução foi estruturar a formação de forma 100% assíncrona, acessível a qualquer hora. Já os encontros ao vivo — com nomes inspiradores do mercado — podem ser assistidos sob demanda, com espaço para feedbacks mesmo após o evento. Isso garante autonomia, flexibilidade e uma experiência personalizada, sem comprometer a profundidade da formação.
Mais do que adesão total, o objetivo é garantir experiências consistentes, mesmo que em ritmos diferentes, e criar uma cultura onde inovar passa a ser parte do cotidiano — e não um esforço extra.
Formação como alavanca de cultura: medir para evoluir
A mudança de mindset não acontece por decreto — ela precisa de constância, método e acompanhamento. No Mentores da Inovação, a formação não é apenas uma etapa: é o coração do processo de transformação cultural.
Desde a primeira interação com o programa, os participantes passam por avaliações que mapeiam sua percepção sobre startups, inovação e temas estratégicos. Essa linha de base é revisitada após a formação teórica e novamente após a etapa prática de mentoria.
“Tudo o que pode ser medido, é medido. Isso nos permite enxergar a evolução real de cada mentor.”
Mais do que mensurar desempenho, esse acompanhamento permite ajustar continuamente o programa com base em feedbacks diretos dos participantes. Cada edição é única. A versão de 2025, por exemplo, incorporou mudanças sugeridas por quem viveu o ciclo anterior — resultado que se refletiu em outro indicador relevante: 25% das inscrições foram por indicação espontânea dos próprios mentores.
Essa devolutiva positiva se estende ao cotidiano. Muitos dos mentores seguem acompanhando as startups além da jornada formal, buscam a equipe de inovação com novas propostas e se tornam promotores internos da cultura inovadora. O programa, portanto, não apenas capacita — constrói comunidade e influencia o comportamento organizacional de forma duradoura.
Gamificação sem perder profundidade: o engajamento como consequência
Gamificação é um termo sedutor — mas também um risco, quando aplicado de forma superficial. No Mentores da Inovação, a escolha foi não forçar mecânicas lúdicas, mas investir em reconhecimento autêntico e senso de pertencimento.
Desde a primeira edição, o programa testou diferentes abordagens e colheu impressões diretamente dos participantes. A conclusão foi clara: não havia demanda real por rankings ou competição direta. O engajamento vinha de outro lugar — da identificação com o propósito e do reconhecimento pelo impacto gerado.
Ainda assim, algumas práticas inspiradas na lógica da gamificação foram mantidas:
- Pontuação simbólica e destaque dos mentores mais ativos.
- Citações no InovaNews, boletim institucional que celebra conquistas e histórias.
- Feedback constante dos mentorados como forma de valorização.
“A maioria não se engaja para ganhar pontos. Se engaja porque sente que faz parte de algo maior.”
Mais do que uma escolha estética, a ausência de uma gamificação formal foi uma decisão estratégica. O time preferiu focar energia no que realmente move as pessoas: propósito, reconhecimento e influência positiva no ecossistema.
Modelo replicável: tecnologia, método e simplicidade intencional
O sucesso do Mentores da Inovação extrapolou a empresa de origem e já começa a ser replicado em outras unidades do grupo. Isso só foi possível porque, desde o início, o programa foi desenhado com escalabilidade em mente — tanto do ponto de vista tecnológico quanto metodológico.
A primeira versão foi construída com apoio externo. Mas ao longo do tempo, a equipe entendeu que internalizar a jornada com um parceiro de apoio e desenvolver sua própria plataforma digital era o caminho ideal. Hoje, utilizando Power Apps, os mentores acompanham em tempo real seu desempenho, trilhas concluídas e etapas pendentes.
“A tecnologia virou nossa aliada para escalar. Automatizamos processos e deixamos o modelo pronto para ser expandido a outras áreas — do estratégico ao operacional.”
Com poucos ajustes, o mesmo formato pode ser aplicado a diferentes públicos. O custo é viável, a estrutura de parceiros é enxuta e os fluxos já testados funcionam com consistência. A escalabilidade, nesse caso, não veio de grandes investimentos, mas de um design inteligente e da validação contínua com os participantes.
Lições aprendidas: o que não fazer ao tentar escalar inovação
Ao longo da conversa, Michael compartilhou uma série de aprendizados acumulados não só na operação do programa, mas também em sua vivência com startups e programas de aceleração. A principal lição? Escalar exige maturidade — e isso começa pelo olhar financeiro.
Segundo ele, é comum ver empresas e empreendedores obcecados por ter um produto perfeito, enquanto negligenciam elementos essenciais como estrutura de operação, atratividade real ao cliente e viabilidade econômica.
“Antes de escalar, é preciso saber: meu negócio está pronto? Faz sentido financeiro? Estou entregando algo que o cliente quer — ou apenas o que eu gostaria que ele quisesse?”
Outro ponto crítico está no uso excessivo de soluções tecnológicas complexas para problemas simples. Escalar inovação, para Michael, não é empilhar features ou lançar apps — é resolver dores reais com clareza, simplicidade e foco no cliente.
Pra finalizar: o que faz um programa escalar de verdade?
“É o foco no resultado. E a capacidade de, a cada ciclo, entregar mais valor do que o anterior.”
Encerramos a conversa reforçando que inovação não é uma corrida de 100 metros, mas sim uma jornada de altos e baixos — onde resiliência, adaptação e melhoria contínua são os principais combustíveis. O sucesso vem de entender o timing da organização, ajustar rotas com sabedoria e seguir entregando valor em movimento.