Intra-empreendedorismo além dos Likes e das Palmas

Intra-empreendedorismo além dos Likes e das Palmas

Nem toda inovação nasce em laboratórios brilhantes ou squads de tecnologia. Às vezes, ela começa em uma planilha travada, um processo torto — e na coragem de alguém que decide fazer diferente. Entrevistamos Iara Alves, PMO de Melhoria Contínua na Comgás, com mais de 20 anos de experiência na área de Suprimentos de diversas empresas. Intra-empreendedora nata, ela traz dicas de como escalar a inovação real com consistência, engajando pessoas com perfil inovador por natureza. 

 

De centro de custo a centro de ideias: quando Compras vira vetor de inovação 

A trajetória da Iara Alves, hoje PMO de Melhoria Contínua na Comgás, é marcada por passagens por gigantes como PepsiCo, Via Varejo e Nestlé. Mas foi ainda em Guarulhos, em um cargo operacional, que ela percebeu algo fundamental: a área de Compras poderia ser mais do que um centro de eficiência. Poderia ser protagonista. 

“Cada segmento tem suas particularidades. Quando você experimenta diferentes indústrias, vai desenvolvendo essa visão estratégica. Na PepsiCo, tive líderes geniais que me deram confiança para sair da caixa. Foi ali que comecei a inovar nos processos e também na forma de apresentar resultados.”Iara Alves 

Ao participar da implementação de um novo ERP, ela começou a enxergar a importância da fluidez entre processo e tecnologia. Mas o que mais chamou atenção foi como a Iara soube ocupar espaços informalmente: cruzava os limites da unidade para aprender com o escritório, montava apresentações, criava conexões entre áreas. O intraempreendedorismo nascia ali — não como um projeto, mas como um jeito de operar. 

Insight-chave: Inovar dentro de grandes organizações nem sempre começa com uma iniciativa formal. Muitas vezes, é a curiosidade constante e a habilidade de se vender internamente que pavimentam o caminho. 

 

Nem tudo que é técnico é prático: a frustração dos sistemas que ignoram a realidade 

Um dos pontos altos da conversa foi quando Iara relatou sua experiência com a separação da Via Varejo do Grupo Pão de Açúcar. Diante da missão de implementar rapidamente um sistema de compras, ela viu que o plano inicial — um copia e cola da estrutura antiga — simplesmente não funcionaria na prática. 

“Era tudo lindo no desenho técnico, mas impraticável para o comprador. Ao invés de ajudar, aquele sistema criava barreiras. Mostrei para o time o dia a dia real, a rotina, as urgências. Se não entendermos o processo real, vamos incentivar o uso fora do sistema.”Iara Alves 

A virada veio quando ela conseguiu demonstrar, com empatia e argumento, que era preciso redesenhar o processo a partir da realidade. E com isso, reconstruiu em tempo recorde uma operação que funcionasse — sem engessar, sem copiar modelos ultrapassados, e com respeito à rotina do time de Compras. 

 

Entre fazer parte e fazer acontecer: o impulso do intraempreendedor 

Intraempreendedorismo não nasce com um crachá especial. Ele começa com inquietação. Na história da Iara, o “quero fazer parte” virou “vou fazer acontecer”, mesmo sem estrutura formal. Ela ocupou espaços, assumiu responsabilidades além do seu escopo, e apostou no aprendizado constante para transformar os sistemas de dentro para fora. 

“Muita gente achava que eu era maluca. Diziam: ‘Você tem tanto skill, por que se envolver nisso?’ Mas eu via que aquilo atrapalhava a rotina — e se eu podia melhorar, por que não tentar?”Iara Alves 

Com essa mentalidade, ela construiu pontes com líderes, adaptou linguagem para convencer times céticos e, acima de tudo, aprendeu que vender uma ideia é mais poderoso do que impô-la. A escuta empática e a disposição para cocriar são o que transforma iniciativa individual em movimento coletivo. 

 

Inovar não é voo solo: como gerar confiança além do próprio silo 

A inovação raramente nasce em linha reta. Envolve áreas diferentes, sistemas mal aproveitados e resistências legítimas. Quando Iara enfrentou a falta de um sistema adequado de contratos internos, percebeu que o Jurídico não era um entrave — apenas não tinha sido ouvido com profundidade. 

“O módulo era feito para comprador, não para o Jurídico. Então parecia que eles tinham que fazer todo o trabalho — e não fazia sentido. Quando mostrei que dava para automatizar e facilitar, o tom da conversa mudou.”Iara Alves 

A chave? Encontrar aliados dentro das outras áreas. Gente aberta ao diálogo, que se dispõe a construir junto. A partir daí, a solução deixou de ser “imposta” e passou a ser “coautoria”. Essa lógica vale para Jurídico, Operações, TI ou qualquer interface: quando há escuta genuína, até o mais resistente requisitante pode se tornar parceiro. 

“Às vezes a pessoa só quer ser ouvida. Você dá 5 minutos de atenção e ela passa a te escutar de verdade. É empatia com responsabilidade.” 

Insight-chave: Coalizões eficazes se constroem com escuta, cocriação e clareza. Quando as pessoas percebem que você entende suas dores e leva suas ideias em conta, elas passam a confiar — e a inovar junto. 

 

Superando o desconforto com propósito: como construir uma cultura de mudança sem esgotar as pessoas 

Mexer no status quo é desconfortável. Mas Iara Alves mostra que o desconforto pode ser produtivo — desde que venha com clareza de propósito, empatia e escuta ativa. Para ela, não existe momento “ideal” ou sinal verde oficial para inovar. Inovar é uma escolha que parte de quem observa, conecta pontos e propõe caminhos. 

“Não dá para esperar alguém dizer: ‘pode começar a mexer’. Quando você olha para um processo, já vê onde pode melhorar. Às vezes é algo pequeno — um fluxo, um template, uma aprovação fora do lugar. Começa por aí.”Iara Alves 

Essa postura — de agir mesmo sem verba, mesmo sem time dedicado — inspira uma cultura mais madura de inovação. Em vez de forçar grandes rupturas, Iara aposta em pilotos, escuta de feedbacks e ajustes incrementais. Pequenas revoluções que, quando bem-sucedidas, geram confiança para mudanças maiores. 

 

O agora e o amanhã: como inovar sem deixar a operação cair 

Uma das perguntas mais difíceis para quem empreende dentro da empresa é: como manter a excelência operacional enquanto planta as sementes do futuro? A resposta da Iara é prática: equilibrando visão estratégica com foco na entrega — e elevando o padrão da entrega com soluções que trazem escala, eficiência e segurança. 

“A gente já tinha um processo de cadastro de fornecedores ótimo. Mas pensei: por que não integrar? Por que não automatizar? Com a nova plataforma, o que era bom ficou melhor — e passamos a avaliar todos os fornecedores com mais critério, não só os críticos.”Iara Alves 

A experiência dela mostra que inovação nem sempre é criar algo do zero. Muitas vezes, é aprimorar o que já existe, trazendo mais fluidez e segurança para processos já robustos. O segredo está em construir entregas “com gás” — onde o ganho imediato está claro, mas o impacto de longo prazo também se consolida. 

Insight-chave: Inovar com consistência é sobre elevar a régua da entrega. Pequenas melhorias que geram escala e confiança constroem o futuro sem comprometer o presente. 

 

Governança e inovação 

Uma das armadilhas mais comuns na jornada da inovação é tratar governança, padronização e compliance como inimigos da mudança. Mas, como bem mostrou Iara, é justamente o domínio desses pilares que permite escalar o novo com segurança. 

“A gente respira compliance e controles internos. Mas também estamos revendo tudo: será que ainda precisamos de tantos controles? Com um bom relatório, já resolvemos muita coisa. A tecnologia certa pode simplificar sem perder o controle.”Iara Alves 

Inovação, nesse contexto, é revisão contínua. Não significa abrir mão de rigor, mas sim garantir que os controles acompanhem a maturidade da organização e tragam clareza, e não excesso de trava. 

 

 

Valorização que transborda: o impacto além da empresa 

Intraempreender também é ampliar o olhar. Ao reconhecer fornecedores como parceiros críticos para a segurança e reputação da companhia, Iara revela uma visão sistêmica rara — que entende inovação como algo que atravessa fronteiras organizacionais. 

“Sem os parceiros, nosso trabalho não acontece. Na Comgás, temos um programa de excelência para reconhecer essas empresas. Eles representam nossa cultura na ponta, inclusive no retorno para casa. A segurança deles também é nossa.”Iara Alves 

Esse reconhecimento tem efeito multiplicador. Quando terceiros sentem-se parte do processo, a cultura da empresa ganha contornos vivos e sustentáveis. Valorizar boas práticas, inclusive com uma “competição do bem”, cria ciclos virtuosos — dentro e fora da empresa. 

Insight-chave: Inovar de forma sistêmica é incluir quem está na ponta. Reconhecimento genuíno engaja, fortalece e garante que a cultura não fique só no papel. 

 

Bastidores que transformam: o conselho para quem quer inovar “de dentro” 

A fala final de Iara é um lembrete poderoso para quem, mesmo fora da área de inovação, quer fazer a diferença com consistência. Para ela, o palco vem depois — se vier. O que importa é a transformação real, no cotidiano, com escuta, resiliência e colaboração. 

“Não espere palco. Comece no bastidor, mesmo quietinha no seu cantinho. A inovação que gera impacto não é a que bomba no LinkedIn — é a que resolve um problema real. Pequena, mas consistente.”Iara Alves 

Ela reforça que o caminho é feito a muitas mãos. Que a resiliência diante do “não” é parte do jogo. E que, mesmo sem verba, sem time ou sem aplauso, é possível iniciar mudanças significativas. A inovação silenciosa é muitas vezes a mais duradoura. 

 

A inovação silenciosa dos bastidores é a que mais transforma — porque é feita de consistência, propósito e um bom tanto de coragem.