Errar é inevitável, aprender com isso é decisão: como transformar falhas em vantagem estratégica para inovar
Inovar é, por definição, um processo de risco, incerteza e tentativa. Ainda assim, é curioso como o tema “erro” costuma ser um tabu em muitas organizações que declaram abraçar a inovação. Nesta entrevista, Felipe Maruyama, especialista em políticas de inovação, professor e fundador do FailHub e da Failtech, compartilha como construir uma cultura de aprendizagem realista, onde o erro não é punido, mas metabolizado como conhecimento.
Com uma trajetória que passa por projetos de impacto no setor público, privado e terceiro setor, ele traz um olhar prático e crítico, com base na vivência como gestor, pesquisador e facilitador de ambientes de troca sobre falhas. Mais do que repetir clichês, Felipe apresenta caminhos concretos para transformar tropeços em vantagem competitiva e aprendizagem institucionalizada.
Por que o erro precisa ser debatido com mais seriedade
Felipe começou sua jornada estudando os bastidores da falha em startups, onde os erros são comuns, mas nem sempre compartilhados. A partir disso, criou o FailTech e depois o FailHub, movimentos que deram voz a histórias de fracasso com potencial de aprendizado. “Inovação envolve, por natureza, risco e incerteza. O erro deveria ser esperado desde o início”, explica.
Segundo ele, é curioso como a discussão sobre falhas é praticamente ausente nas formações sobre inovação. “Estuda-se métodos, design thinking, agile… mas não se fala de como lidar com o inevitável: o erro.” Quando ignorado, o erro gera cultura do medo, esconde fracassos e impede grandes oportunidades de aprendizado coletivo.
Cultura organizacional: entre o discurso na parede e a prática real
“Os valores na parede são uma visão aspiracional. Mas a forma como uma empresa lida com o erro no dia a dia revela sua cultura de verdade.” Para Felipe, o gap entre discurso e prática é grande, e a liderança tem papel central na redução dessa distância.
Liderança não significa permissividade irrestrita, mas a capacidade de bancar processos de aprendizagem mesmo quando os resultados não são imediatos. “Tolerar o erro não é aceitar tudo, é reconhecer que ele faz parte do percurso. É a partir dessa postura que se constrói um ambiente de confiança, resiliência e troca.”
Existe erro bom e erro ruim? Sim, e dá para evitar os dois extremos
Erro bom é aquele que gera aprendizado e expande o repertório da organização. Já o erro ruim é o repetido, o negligente, o que nasce de falta de preparação ou é escondido por medo de punição. “Aprender com o erro alheio também é aprender. Mentorias internas, troca entre pares e repositórios de lições aprendidas são caminhos potentes para isso.”
Em ambientes corporativos, muitas vezes, erros são penalizados mesmo quando ricos em aprendizado. Investimentos que não geram resultado imediato são classificados como prejuízo, quando poderiam ser vistos como formação. É um convite à mudança de métrica: medir aprendizado, não apenas retorno direto.
Ritualizar o erro: da vulnerabilidade à gestão de conhecimento
O FailTech criou um formato de encontro seguro, inspirado nos encontros dos AA, onde empreendedores contam seus erros, preenchem uma ficha de falha e compartilham aprendizados em rodadas com pequenos grupos. “É diferente de uma palestra. Há troca, escuta ativa e validação múltipla da experiência.”
Esse modelo pode ser adaptado ao mundo corporativo, transformando o conhecimento tácito de quem errou em um ativo institucional. Para isso, é preciso criar momentos estruturados de formação, aplicação e reflexão. Repositórios só funcionam se conectados a uma cultura viva de compartilhamento.
Os eventos do FailTech são gratuitos, com inscrição limitada, e ocorrem em hubs de inovação. Os interessados devem acompanhar as redes de Felipe para saber das próximas edições.
Espaços de segurança para testar e falhar: o exemplo do setor público
Um dos cases mais expressivos compartilhados por Felipe é o do Lab011, da Prefeitura de São Paulo. O espaço funcionava como um “laboratório de inovação”, com orçamento e legitimidade para testar ideias, mesmo que elas falhassem. Era uma bolha de permissividade criativa dentro da estrutura pública.
A iniciativa ajudou a disseminar uma cultura de experimentação, inclusive para além da Secretaria de Inovação. Outros órgãos passaram a enxergar valor na abordagem. O modelo lembra os regulatory sandboxes, em que barreiras regulatórias são temporariamente suspensas para testes. Aqui, suspende-se o medo institucional de errar.
Para líderes que querem começar: conselhos realistas e inspiradores
Felipe recomenda começar com uma autoanálise. Líderes precisam revisar sua relação pessoal com o erro antes de propor um modelo organizacional. Começar pequeno, com projetos-piloto e grupos de confiança, ajuda a mostrar resultados e reduzir resistências. Não basta abrir espaço para errar, é preciso bancar quem se expõe.
A transformação de conhecimento também exige aplicação prática. Os aprendizados devem se tornar mentorias, comunidades de prática e espaços reais de formação. É preciso mudar a métrica de sucesso: valorizar a iteração disciplinada, não apenas o resultado final.
O clássico exemplo da 3M com o Post-it ilustra bem essa visão. Um produto criado por acidente, com uma cola que não colava bem, foi reconhecido como oportunidade e se transformou em um best-seller global. A falha, quando tratada com inteligência, pode se tornar um grande acerto.
Finalizando com vulnerabilidade
Ao longo da entrevista, ficou evidente que a maior diferença entre errar e fracassar está na forma como lidamos com o ocorrido. Criar uma cultura de aprendizagem exige ambientes onde a vulnerabilidade não seja punida, mas acolhida e convertida em desenvolvimento.
Felipe encerra com um relato pessoal sobre um erro cometido no início da carreira, ao omitir informações sobre uma transição profissional. As consequências foram duras, mas o aprendizado moldou sua postura futura: transparência, consistência e responsabilidade como pilares da reputação.
Na prática, criar espaços para esse tipo de aprendizagem coletiva exige mais do que boas intenções. Requer processo, coragem e lideranças comprometidas com a formação de uma cultura que valorize a evolução acima da perfeição.